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A Estrada da Pedreira e o Estádio dos Eucaliptos

28 de setembro de 2011

Dias atrás vinha descendo a Plinio Brasil Milano, da Carlos Gomes em direção à Auxiliadora.
 
O carro chacoalhava tanto que resolvi prestar atenção ao pavimento. E, para minha surpresa, entre os muitos remendos de centenas de buracos abertos e mal fechados com asfalto irregular, vi um antigo piso de concreto preservado, velho conhecido, que julgava extinto das ruas de Porto Alegre.
 
Bem junto ao antigo Posto Timbaúva, naquelas curvas em “S” que há na descida, o piso em chapas de concreto junto ao acesso do posto de gasolina (hoje sob a bandeira da BR Distribuidora) permanece lá, como colocado na época da pavimentação da Estrada da Pedreira, há mais de sessenta anos, como se chamava a Plínio Brasil Milano até então.  
 

 

 


Digo que o piso é velho conhecido porque a primeira empresa a importar uma máquina pavimentadora em chapas de concreto, no final dos anos vinte do século passado, foi a Dahne, Conceição & Cia*, fundada por três colegas engenheiros, um deles meu avô Ildo Meneghetti, muitos anos antes de aventurar-se em política e eleger-se prefeito de Porto Alegre e depois governador do Estado.
 
Lembro da história da aquisição dessa máquina devido à construção do Estádio dos Eucaliptos, do Internacional.
 
O Inter tinha em 1929 seu próprio campo arrendado, a Chácara dos Eucaliptos, na Azenha.
 
A situação não era nada boa. O clube estava atolado em dívidas e até o aluguel da chácara estava atrasado. Não tinha dinheiro nem para pagar a conta de água.
 
Situada no início da José de Alencar, a Chácara dos Eucaliptos pertencia ao Asilo da Providência. Tinha uma alameda de eucaliptos, que servia de estrutura para as arquibancadas de madeira, deixando-as na sombra.
 
Porém, a chácara fora colocada à venda por 40 contos. O Internacional, embora como arrendatário tivesse a preferência para a compra, não conseguiu levantar o capital necessário para a aquisição. 
 
O presidente da Federação Rio Grandense de Football  e ex-dirigente colorado Antenor Lemos presidiu uma reunião que deveria decidir os destinos do clube. O “jovem” Ildo Meneghetti era um dos presentes.
 
Antenor fez uma exposição da situação grave pela qual o Inter passava e concluiu propondo o encerramento das atividades, com a liquidação do clube.
 
Meneghetti, que até ali ouvira em silêncio, resolveu falar.  Indagou mais detalhes sobre a situação, perguntando se não haveria outra solução. Não. Não havia. Foi o que todo o mundo respondeu.
          

Antenor Lemos tinha sido presidente do Internacional de 1920 a 1922 e era o cartola mais influente da cidade em toda a década de 20. Talvez  tenha sido o primeiro instigador da rivalidade entre Grêmio e Internacional nos moldes em que existe até hoje.
 
A cada derrota do rival Grêmio, Antenor soltava foguetes, promovia festas, acirrando a rivalidade. Mesmo quando presidente, não raro provocava brigas e partia logo para o soco. Era considerado capaz de tudo.
 
Um ocasião, já como presidente da Liga Porto-Alegrense, percebeu que o Inter perderia uma votação por causa do asmático representante do Cruzeiro. Não teve dúvidas: distribuiu charutos entre os presentes. O asmático teve que sair da sala e não pode votar, havendo o empate. E Antenor, como presidente, usou o voto de Minerva para favorecer o Inter. Era um homem decidido, que se fazia respeitar. Tinha um vozeirão e sua presença dominava os ambientes.
 
Mas Meneghetti, embora apreciasse Antenor Lemos, era um dos que não queria aceitar a idéia da liquidação e conseqüente encerramento das atividades do Inter. Argumentou, tentou fazer sugestões e afinal disse que não concordava com aquela solução, achava que talvez valesse a pena fazer mais uma tentativa. Em sua opinião aquilo “era uma precipitação”. E disse que tinham a obrigação de achar uma solução que mantivesse o Internacional.

 
– Tu achas? – perguntou Antenor Lemos, ao “menino” que ousava discordar.

– É, eu acho, sim.

– Então assume! – desafiou.       
                    
 Foi assim Meneghetti assumiu a presidência do Inter. Tinha 33 anos de idade.

 
Por uma gentileza do jornalista Cláudio Dienstmann, consegui uma cópia da ata da primeira sessão do Conselho Deliberativo, lavrada de próprio punho por Meneghetti, ocorrida em quinze de fevereiro de 1929, na sede da rua dos Andradas n.º 413,  onde está registrada a situação em que o clube se encontrava:
                                                
  “uma dívida de vinte contos de réis a pagar, não tendo material desportivo algum, estando o campo atual a precisar de uma reforma geral, o que não era conveniente, pois era de conhecimento de todos  que a tradicional ‘Chácara dos Eucalyptos’ tinha sido vendida ao sr. A. Laporta.” 

 
O Conselho Deliberativo autorizou o novo presidente a contrair um empréstimo de dez contos de réis, “a juros e prazos os mais convenientes possíveis”, para atender as despesas mais urgentes e começar a providenciar a aquisição de um terreno “onde pudesse instalar sua praça de desporto.”
 

Logo foi encontrada uma área cuja topografia era favorável,  até mesmo para a construção das futuras arquibancadas devido a uma elevação existente. A área era de propriedade do Banco Nacional do Comercio, que pretendia loteá-la. O preço era 220 contos de réis. Um dinheiro enorme. Negociando com a Companhia Territorial, subsidiária do banco, Meneghetti propôs um parcelamento e o negocio foi fechado.

 Mas ainda havia os aluguéis atrasados da Chácara dos Eucaliptos. Meneghetti procurou então o responsável pela loteadora que adquirira a área e propôs fazer a pavimentação das ruas que fariam parte do futuro empreendimento em troca da dívida. Foi aí que entrou a história da pavimentadora que a Dahne, Conceição havia adquirido.
 
 Proposta feita, o homem gostou:
  
– Muito bem, a proposta é boa. Mas qual é a minha garantia? – perguntou.
 
– A garantia é a minha palavra. – respondeu Meneghetti. O  homem olhou sério, surpreso com o atrevimento do jovem sentado à sua frente e decide:

 
– Está bem. Gostei de ti, guri. Negócio fechado.   
           
Dois anos depois o acordo estava integralmente cumprido.

 
Para pagar o terreno e financiar as obras do novo estádio foram lançados 500 títulos de sócios proprietários. Na Assembléia Geral Extraordinária de 31 de janeiro de 1929, foram propostos e aprovados os novos estatutos, redigidos e lavrados à mão por Meneghetti, criando uma nova categoria de sócios, inicialmente quinhentos, com quotas de quinhentos mil réis cada, pagáveis em vinte prestações. 
 
As obras são, então, iniciadas, com a Dahne, Conceição executando a terraplanagem da área do futuro Estádio dos Eucaliptos sem cobrar nada do clube.

 
É iniciada também, com muita dificuldade, a venda entre os torcedores dos quinhentos títulos. Acabam vendendo apenas 85. O próprio Ildo assumiu os demais.  Mais tarde, com o avanço das obras, foi feita uma nova emissão.
 
E assim, com muitas dilatações de prazo nos pagamentos do terreno, em junho de 1931 o Internacional inaugurou o seu estádio. Ildo Meneghetti, que assumiu a presidência em 1929 para permanecer pouco tempo, acabou ficando no cargo por cinco anos, de 1929 até 1933. Colocou uma fortuna no clube, que anos depois o escolheria como Patrono. 
 
E Antenor Lemos dá nome a uma das ruas das cercanias do velho Estádio.

*em parte desse  texto utilizei informações dos originais do  livro “Baile de Cobras – A Verdadeira História de Ildo Meneghetti” – em edição –  que deverá ser lançado no ano que vem.